quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Um homem especial

Ele era pequeno para sua idade. Um pouco desnutrido talvez. Tinha um olhar triste e as mãos sempre frias. Gostava de ouvir histórias. Calado, ouvia tudo. Era de poucas palavras, de pouco riso. Ria, mas ria por dentro, como se tivesse medo da alegria. Gostava das noites de chuva. Não havia luz elétrica, o lampião ficava aceso. Buscava a madrugada sonhando acordado. Sonhava com sua mãe que nunca conheceu, nem mesmo por fotografia. Desenhava o rosto dela na sua imaginação, juntando informações de retratos falados. Ficava na dúvida da cor dos olhos. Alguém já havia lhe dito, mas ele não se lembrava e gostava de imaginá-la com olhos azuis, embora tivesse a certeza de que azuis não eram. No córrego soltava folhas secas, imaginando barcos. Às vezes engraxava sapatos na estação, para garantir alimento quando o dinheiro, que a avó recebia das senhoras para quem lavava roupas, acabava antes do mês. Toda segunda quinzena ele chegava as 5 na estação. Pegava os senhores que saiam no primeiro trem e, que faziam questão de enrolar o fumo na palha enquanto ele, cuidadoso e muitas vezes desastrado, tentava dar brilho com grande esforço nos calçados já envelhecidos. Cresceu assim, brincando de ser adulto, sonhando em ser menino. Quando se deparou com o tempo já havia passado muitas décadas. Havia um longo caminho percorrido, muitas vezes com o riso preso e outras com lágrimas soltas. Fora um bom homem, um bom pai, um bom patrão, hoje um bom avô, mas a vida não foi delicada com ele. Incrivelmente seu rosto é iluminado. Algumas rugas, cabelos brancos, corpo ainda magro e saudável. Possui uma encantadora doçura na alma. Com idéias já ultrapassadas da vida, mas olhos atentos às transformações das décadas, tenta acompanhar a era da globalização. Corre apressado para alcançá-la. Recorda emocionado seu passado, seus lugares, suas paisagens. Já não mostra medo da alegria, as vezes sorri alto, gargalhando, é quando volta a ser menino.

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