terça-feira, 14 de julho de 2009

O próximo baile


Cheguei absolutamente cansada. Era manhã, na verdade madrugada. Apertei o botão do elevador exatamente às 05h27min. Meus pés estavam doídos. Meus cabelos cheiravam cigarro. Olhei meu rosto no espelho do hall de entrada e me vi desfigurada. Maquiagem fosca, boca apagada, uma expressão de vazio me rompeu o olhar quando me deparei comigo naquela hora daquela madrugada. Subi os dez andares e os ouvidos ainda zuniam dos sei lá quantos decibéis de música eletrônica flash back que insistiu em me fazer recordar a adolescência, o que contribuiu muito para minha pouca auto-estima permanecer exatamente onde estava naquela noite. Tomei um energético com bastante gelo. Fiquei estrategicamente posicionada, sem muita vontade de circular pelo local, mas na intenção de que fosse notada. Assim permaneci por trinta minutos. Saí, fui ao banheiro feminino, lotado de patéticas damas retocando a boca, rindo e comentando de diversos assuntos nos quais não tive atenção suficiente para relatar aqui. Desci as escadas do lugar. Resolvi sorrir. Sorri para o bar man, para o vizinho que casualmente estava lá, para o rapaz que me ofereceu uma bebida (mas logo me lembrei dos conselhos que minha mãe me dava quando eu era adolescente: “Não bebe no copo de ninguém porque eles colocam drogas!” Por isso apenas sorri e disse: Obrigada e fiz um sinal de recusa com a cabeça) Sorri para a direita, para a esquerda, para cima e para frente. Foi assim que conheci o rapaz. Sorrindo para minha frente estava ele lá, me olhando com cara de lobo mau faminto, louco pra me levar pra floresta e me devorar. Confesso que fiquei assustada, mas sorri, e assim continuei por algum tempo ao seu lado. Destreinada desta prática de flertar na balada (isso é fato, não é ficção) não sabia quando seria o momento mais apropriado para deixar acontecer o beijo, mas aconteceu. Simples, na hora certa, meio desastrado no começo e intenso no final. Foi um encontro digamos... casual e interessante. Já passava das duas horas quando o referido jovem, não tão jovem para os jovens se foi. Fiquei eu lá. Boa amiga permaneci onde estava para não estragar a noite daquela que se prontificou a me tirar de casa, quebrar minha rotina tediosa de férias na clausura do lar. Bebi uma cerveja, talvez duas. Observei as pessoas, adoro observar as pessoas. A música prosseguia alguns anos adiante e saltou para o ano em que me divorciei. Músicas tem esse poder. Trazem à memória da gente fatos, instantes, recordações e minha vida é uma trilha sonora... Aquela sensação de liberdade me trouxe um sentimento bom, mas em seguida a realidade se mostrou como o caçador da história da Chapeuzinho Vermelho, me salvou. Salvou-me do conto de fada. Não tem príncipe, nem cavalo, nem espada, nem dragões, não tem sequer um conflito, uma batalha, um sapatinho perdido, um sapo rei... Não há carruagens lá fora, nem fada-madrinha. Há apenas o ali, o aqui e o talvez. Há meu cão que me recebe na madrugada e me acompanha no banho necessariamente purificante. Há comprimidos de benzodiazepínicos, para casos como desta noite, onde a euforia se casou com o cansaço. Há meu quarto, minha cama limpa, a janela que vibra com o vento e o sol que quer apontar pra me mostrar que nasceu de novo.
O sol apontava quando adormeci. Meus sonhos... Nos meus sonhos tudo pode acontecer. São meus. E ao despertar me senti princesa esperando a carta-convite para o grande baile, aquele que o lobo mau aparece e dá um perdido no caçador!

2 comentários:

  1. O que uma noite de noite de inverno e de 'baile' em nossa cidade não faz! Muito lindo! Adorei! Mesmo porque sou coadjuvante neste conto, rsss... Assim como eu, penso que a história da carochinha da qual você quer fazer parte seja ooooutra! Chega dessa história do princípe ser lenda, você ainda vai ser atriz principal de uma história real com final....Surpreendente!

    ResponderExcluir
  2. Belíssimo texto!
    É fascinante sua coragem em não temer a exposição dos reais sentimentos, sem importar-se com críticas e julgamentos. Uma vida de aparências é uma vida vazia e efêmera, não é mesmo?
    Besos.

    ResponderExcluir